Embora se destinem apenas a jovens com renda mensal de até um salário mínimo e meio (R$ 697,50) por pessoa da família, bolsas integrais do ProUni (Programa Universidade para Todos) foram concedidas a mais de mil proprietários de carros novos, entre eles modelos de luxo, como Honda Civic, Toyota Hilux, Ford Fusion, Vectra, Zafira, Mitsubishi Pajero e o XTerra da Nissan.(ler mais)
A irregularidade, que alcança uma fatia de 0,6% dos beneficiários de bolsas integrais, foi detectada por auditores do TCU (Tribunal de Contas da União) ao cruzarem a lista de beneficiários do ProUni com os cadastros do Renavam, o registro nacional de veículos.
Com base no cruzamento com outros cadastros oficiais, foram identificados indícios de irregularidades que envolvem 30.627 bolsistas, ou 8% do total de 385 mil beneficiários.
O relatório da primeira auditoria no programa, a que a Folha teve acesso, foi aprovado ontem pelo tribunal, com recomendações ao Ministério da Educação de maior controle na concessão de bolsas e mudança no cálculo do incentivo fiscal.
O TCU fez a auditoria por iniciativa própria. Uma avaliação do MEC, que teve acesso ao relatório, foi anexada à auditoria.
As regras do ProUni preveem a seleção dos estudantes pelo perfil socioeconômico informado pelos candidatos do Enem (Exame Nacional de Ensino Médio) no ato da inscrição. Cabe às instituições de ensino aferir as informações. As falhas na comprovação desses dados foram consideradas "graves" pelo TCU.
O ProUni custará aos cofres públicos neste ano R$ 394 milhões em renúncias fiscais, segundo estimativa da Receita Federal. Esse é o valor dos tributos que deixam de ser cobrados de instituições privadas de ensino e não inclui as instituições beneficentes, que já contavam com incentivos fiscais antes do programa, lançado em 2005, com o objetivo de aumentar o acesso de jovens ao ensino superior.
O Renavam contém 57.850 veículos registrados em nome de bolsistas. Esse número inclui os donos de motos (41% do total). Entre os automóveis, a maioria tem mais de dez anos de uso. Mas passa de mil o número de carros fabricados entre 2005 e 2008 registrados em nome de bolsistas integrais.
Há modelos cuja posse é incompatível com as regras de acesso às bolsas do ProUni. O MEC contabilizou 39 modelos de luxo na lista do TCU.
No caso das bolsas parciais, o candidato deve ter renda per capita de, no máximo, três salários mínimos (R$ 1.395,00). Entre os bolsistas parciais, o TCU encontrou 700 proprietários de veículos novos.
As irregularidades não se limitam aos proprietários de veículos caros. Ao cruzar os nomes dos beneficiários com informações da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho, os auditores do TCU identificaram bolsistas com renda anual acima de R$ 200 mil. Dos 385 mil beneficiários do ProUni, cerca de 126 mil estão nos arquivos da Rais.
"Foi identificado que quase 24% dos alunos [que aparecem na Rais] declararam renda menor, ou muito menor", relata o ministro José Jorge, do TCU, no documento levado ao plenário do tribunal ontem.
MEC diz que notificou nove instituições
O ministro Fernando Haddad (Educação) afirmou que, caso sejam comprovadas as fraudes apontadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União), o estudante será desligado do programa. "Em caso de má-fé, o Ministério Público será acionado", disse o ministro.
Haddad tentou ontem adiar a votação da auditoria do tribunal por discordar dos dados referentes ao custo da bolsa calculado pelo TCU.
Principal mentor do ProUni, Haddad insiste que ter carro registrado no Renavam não é, necessariamente, uma prova de fraude. Ele alega, por exemplo, que o aluno pode ter melhorado de vida após a concessão do benefício. Nesse caso, não haveria motivo para cancelar a bolsa, sustenta.
O resultado do cruzamento foi encaminhado ao MEC no final de março. Em nota preparada para a Folha, o ministério informa que já notificou nove instituições nas quais estão matriculados bolsistas que possuem veículos "inicialmente incompatíveis" com a situação econômica exigida no programa. Confirmada a fraude, a bolsa será encerrada.
Ao cruzar a lista de beneficiários do programa com os registros de alunos de algumas universidades públicas, o tribunal também identificou 2.143 bolsistas com indícios de irregularidades.
Nesse caso, o MEC informa que 956 bolsistas têm registro no banco de dados das instituições federais de ensino. Desses, 58 já tiveram a bolsa do ProUni encerrada. Segundo o ministério, "vários" estudantes optaram pelo desligamento da universidade pública.
Metas
O ministro reconhece que o país não deverá alcançar a meta do Plano Nacional de Educação de ter 30% dos jovens entre 18 e 24 anos matriculados no ensino superior até 2011, dependendo da forma de cálculo.
"De fato, não vamos atingir a meta pela taxa líquida, que considera os alunos nessa faixa etária matriculados em instituições de ensino superior", afirmou.
O ministro prefere a chamada "taxa bruta", que leva em conta o número de matrículas dividido pelo percentual de brasileiros na citada faixa etária. Pelo critério, a participação dos jovens no ensino superior teria subido de 16% para 24% entre 2002 e 2007.
"Isso significa a ampliação do acesso da população ao ensino superior, na direção da meta fixada pelo Plano Nacional de Educação, certamente com forte contribuição do ProUni", afirma o MEC em nota.
O TCU considera apenas o número de jovens efetivamente matriculados, equivalente à taxa líquida. Como o Censo da Educação Superior de 2007 ainda não foi totalmente divulgado, o tribunal estimou que só 13,2% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos frequentam faculdades - eram 8,9% no início da década.
De cada 5 cursos com ProUni, um foi mal avaliado
Cerca de um em cada cinco cursos que oferecem bolsas no ProUni (Programa Universidade para Todos) e que foram avaliados tem nota inferior a três no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes). Ou seja, estão abaixo da média que é considerada satisfatória.
A nota do Enade varia de um a cinco. A auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) destaca que uma parcela ainda maior de cursos -34,65% do total - nem sequer foi avaliada pelo exame.
Dos cursos avaliados, 20,9% estão abaixo da média: 1,7% tiveram nota um (a mais baixa) e 19% ficaram com nota dois. A maior parcela, de 40,8%, ficou na média (nota três), e 11% dos cursos obteve quatro.
A nota máxima foi concedida a apenas 0,7% dos cursos que já foram avaliados.
"Pode-se concluir que os instrumentos de avaliação de cursos superiores e instituições de ensino superior existentes não têm sido eficazes para evitar a permanência de alunos em cursos mal avaliados", diz o relatório do tribunal. O TCU também critica a concentração de bolsas nos cursos de administração e direito.
O que diz a lei
A lei do ProUni só prevê a exclusão de cursos do programa depois de resultados insatisfatórios em duas avaliações seguidas no Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) - o primeiro ciclo de avaliação será concluído até o final do ano. A lei não menciona o Enade, apesar de a prova integrar o sistema de avaliação.
Independentemente disso, o Ministério da Educação afirma que medidas como o fechamento de vagas em cursos de direito, medicina e pedagogia, determinadas recentemente, também afetaram estudantes do ProUni.
Os cursos de direito e pedagogia, que concentram 27,11% das vagas do programa, estão entre os mais procurados pelos candidatos ao ensino superior, de acordo com o ministério.
"O ProUni não tem efeito de aumentar vagas ou matrículas em nenhum curso, mas apenas oferecer a condição de bolsista aos alunos desses cursos", informou o MEC por meio de uma nota.
Contando os bolsistas selecionados para o ProUni no primeiro semestre de 2009, o programa alcançará a marca de 530 mil alunos atendidos desde o seu lançamento, que ocorreu no ano de 2005. Cerca de 70% deles são ou foram beneficiados com bolsas integrais.
TCU diz que bolsa é maior que mensalidade
Um dos dados que mais chama a atenção na auditoria do ProUni é o custo da bolsa calculado pelo Tribunal de Contas da União, com a ajuda da Receita Federal. Ao dividir o valor da renúncia fiscal lançada pelas instituições pelo número de bolsistas, a auditoria chegou ao valor médio de R$ 786 mensais. Isso é mais do que as mensalidades cobradas pelas instituições de seus alunos regulares, de R$ 500 em média.
O MEC contesta a conta. Calcula que as bolsas custem ao governo R$ 1.803,33 por ano, ou R$ 150,27 ao mês, em média. Os valores apresentados pelo MEC são ainda mais de quatro vezes maiores que os R$ 418 que as instituições privadas de ensino apresentam como custo anual dos bolsistas aos cofres, segundo contabilidade apresentada pelo presidente do sindicato das mantenedoras de São Paulo, Hermes Figueiredo.
"Se o valor calculado pelo TCU fosse o valor da bolsa paga pelo Estado, a renúncia fiscal estimada pela Receita Federal seria de algo entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões por ano, e não de cerca de R$ 400 milhões, como consta da LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] de 2009", disse o ministro Fernando Haddad sobre a mensalidade de R$ 786. "A conta está errada", insistiu o ministro.
O relatório do TCU dedica um trecho extenso ao cálculo, feito pela própria Receita Federal, com base nas informações lançadas pelas instituições de ensino em 2006.
Em nota, a Receita alerta que há possibilidade de erro no preenchimento das declarações pelas entidades. Mas apresenta um custo de mensalidade que varia de R$ 495, no caso das instituições com fins lucrativos, a R$ 1.043, para as instituições beneficentes. A média indica uma anuidade de R$ 9.432 no ProUni.
A diferença entre os cálculos do TCU e do MEC atinge outro ponto fundamental do ProUni, a taxa de ocupação das bolsas. Segundo o TCU, a taxa vem caindo, de 2005 ao primeiro semestre de 2008, de 77% para 58%.
Isso significa que 42% das vagas oferecidas não teriam sido preenchidas no último processo auditado pelo tribunal. "O número de vagas que sobram limitam o alcance do programa [...] além de ter impacto na majoração do custo médio do bolsista", diz o relatório.
O MEC insiste que a taxa de ocupação das bolsas não pode considerar as vagas não preenchidas num determinado semestre e as oferecidas no processo seletivo seguinte. O ministério afirma que também devem ser excluídas as bolsas oferecidas de maneira voluntária pelas instituições, independentemente de aumento no valor da renúncia fiscal, em cursos menos procurados. Com todos esses expurgos, o ministério chega a uma taxa de ocupação de 88,24% no programa.
O alto valor das mensalidades e a baixa taxa de ocupação justificam uma das propostas da auditoria do TCU: a mudança no processo de isenção fiscal dado às escolas que participam do programa. O mecanismo deveria levar em conta o número de bolsas ocupadas e a qualidade dos cursos.
Bolsistas foram melhor em 12 das 14 áreas
Elogiado por tucanos e criticado por setores mais à esquerda do PT, o ProUni (Programa Universidade para Todos) é uma das soluções criadas para enfrentar um desafio do ensino superior brasileiro: como há pouco espaço para crescer apenas com os alunos pertencentes às classes A e B, a opção para continuar expandindo o setor é atender um volume maior de estudantes com renda menor.
No entanto, como são poucas as vagas em universidades públicas -apenas 23% do total de vagas disponíveis em 2007, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) -, resta aos alunos mais pobres a opção de tentar uma instituição privada. Sem financiamento, porém, muitos evadem ou nem tentam o vestibular.
Quando foi criado, um dos receios de críticos do programa era o de que ele afetaria a qualidade. No entanto, o único estudo divulgado até agora mostra que bolsistas do ProUni se saíram até melhor que os demais em 12 das 14 áreas comparadas por meio do Enade (exame aplicado a alunos e que substituiu o antigo Provão).
Paulo Renato Souza, ex-ministro da Educação no governo FHC e atual secretário estadual da Educação de São Paulo, já elogiou o programa -por ser uma solução mais barata para expandir o número de matrículas de alunos mais pobres se comparada com o custo do aluno que estuda em uma instituição pública.
Mesma opinião tem Simon Schwartzman, presidente do IBGE durante o primeiro mandato de FHC, que prefere a expansão do ProUni à ampliação de cotas em universidades públicas como estratégia para aumentar a presença de alunos pobres no ensino superior.
Críticas
Quando lançado, em 2004, o ProUni foi criticado por sindicatos e associações, reunidas no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, por ser, na opinião das entidades, uma forma de privatização do ensino.
O que ainda permanece uma incógnita a respeito do programa do governo federal é o quanto ele efetivamente contribuiu para aumentar a presença de alunos mais pobres no ensino superior.
De 2001 a 2007, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, o número de alunos com renda domiciliar per capita inferior a um salário mínimo em instituições privadas cresceu 167% (de 253 mil para 677 mil), considerando a variação do salário mínimo e da inflação.
A maior parte desse crescimento, no entanto, ocorreu entre 2001 e 2004 (antes do ProUni), quando esse número estava em 515 mil.
(Marta Salomon escreve para a “Folha de SP”).
Um comentário:
É lamentável que isso acontece com o ProUni. Inteligente postagem! Parabéns!
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